Democracia e iniciativa popular Você acha que Marcos Feliciano teria dificuldade para reunir 650 000 assinaturas para apresentar um projeto de lei favorável a uma de suas barbaridades?

Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o Outro General da Casa".

Democracia e iniciativa popular

Você acha que Marcos Feliciano teria dificuldade para reunir 650 000 assinaturas para apresentar um projeto de lei favorável a uma de suas barbaridades?

Uma das novidades inspiradas pelos  protestos de junho consiste em criar facilidades para apresentar  projetos de iniciativa popular.

Até hoje, era preciso reunir 1,3 milhão de assinaturas para que entidades que falam em nome do cidadão comum tivessem direito a apresentar uma proposta em lei. Pelo projeto, essa exigência cai pela metade.

O tratamento dessa iniciativa tem caráter preferencial. Os parlamentares não têm o direito de deixar o projeto em banho-maria, como ocorre com tantas proposições que a maioria considera que precisam amadurecer, entre os líderes da casa, antes de serem colocadas em votação.

Pelo projeto aprovado pelo Senado, que será debatido pela Câmara de Deputados, essa exigência cai para menos da metade. Bastam 650 000 assinaturas.  Avançando um pouco mais, os senadores aprovaram, na mesma decisão, que também é possível apresentar um projeto de emenda constitucional através de uma iniciativa popular. A emenda constitucional pode ser apresentada desde que tenha 1,3 milhão de assinaturas.

Num momento de especial desprestígio do Congresso, quando parlamentares são capazes de qualquer medida para tentar ficar bem na foto na campanha de 2014, o projeto foi aprovado praticamente sem oposição. É possível que receba a mesma acolhida na Câmara, que deve tratar do assunto em agosto.

Acho que esse debate é importante demais para ser feito de maneira apressada e superficial.  Democrática, na aparência, essa proposta pode colocar o Congresso a serviço de interesses particulares e de minorias.

O professor Wanderley Guilherme dos Santos, um dos grandes pensadores brasileiros deste século, explica que a iniciativa popular pode até agradar uma parcela mobilizada de eleitores mas coloca em questão a vontade de outros 140 milhões que não se manifestaram – grupo que reúne adversários da proposta, indiferentes e  assim por diante. Wanderley diz que o projeto  “não protege a vulnerabilidade a que ficam expostos os quase cento e cinqüenta milhões de eleitores que não opinarem, expulsos da irrisória porcentagem de 0,5% de ativistas agraciados com a difusão de molotovs legais.”

Para explicar melhor cabe lembrar que, país com perto de 130 milhões de eleitores, é relativamente fácil obter apoio de 650 000 pessoas para causas diversas. Na sociedade inteira existem interesses – legítimos e não legítimos – que podem conseguir uma adesão nesse volume.

Quando isso não for possível por  métodos saudáveis, ainda se pode utilizar  máquinas políticas, que podem ser alugadas, emprestadas ou  compradas.

Pense em quantos deputados que já foram eleitos com mais de 650 000 votos. Basta reunir esse mesmo número para criar luma lei. O problema é que um deputado representa 1/513 partes do Congresso.

Esses mesmos 650 000 eleitores poderão, se a lei for aprovada, apresentar uma medida que afeta o conjunto da população brasileira.

Em sua generosidade com o chamado “espírito das ruas”, nossos senadores foram além. A proposta aceita assinaturas colhidas pela internet. É complicado, quando se recorda um abaixo assinado recente que foi apresentado ao Congresso dentro de caixas vazias de papelão.  Ou quando o próprio Congresso brasileiro decidiu investigar as revelações  de Edward Snowden, o ex-técnico da CIA que denunciou a vulnerabilidade da internet em vários países.

Colocando a questão em termos práticos: você acha que Marcos Feliciano teria dificuldade para reunir 650 000 assinaturas para apresentar um projeto de lei favorável a  qualquer uma de suas barbaridades anti-democráticas?

Ou que seria impossível um partido  ultra-minoritário reunir o apoio de 0,5% dos eleitores para aprovar qualquer maluquice?

Concessão marota a um clamor das ruas, este projeto é daninho por outra razão.

Ajuda a esvaziar  o debate político da sociedade e estimula soluções particulares, corporativas e  individualistas, em prejuízo de decisões de caráter geral e soluções coletivas. O interesse público fica comprometido em meio a uma floresta de interesses privados. 

Os grupos mobilizados são favorecidos, ficando em vantagem para impor seus interesses sobre o conjunto do eleitorado. Imagine um projeto que, além das assinaturas, aparecer em Brasília com a simpatia dos meios de comunicação?

Os parlamentares tem razão em procurar dar respostas ao "clamor das ruas." Concordo que a participação do cidadão comum deve ser estimulada e ampliada, desde que não se transforme num atalho para ultrapassar a soberania popular e os direitos de toda a população.

Não custa recordar, contudo, uma verdade elementar: a melhor maneira de senadores e deputados recuperaram sua credibilidade é produzir leis melhores e oferecer saídas positivas para os problemas do país. É nessa atividade, típica de representantes da população, que os parlamentares podem ganhar respeito. 

No Brasil de hoje, nada seria tão útil como debater uma reforma política que acabe com a privatização do Estado pelos grandes financiadores de campanha. Ou mesmo avançar medidas para melhorar a saúde pública e assim por diante. São essas questões que podem melhorar a imagem do Congresso e não pequenos truques que podem dar ao eleitor a impressão -- nem sempre real -- de que ampliou sua influência sobre a ação do Estado. 

Ao contrário do que se poderia imaginar, os projetos de iniciativa popular não são garantia de eficiência na defesa dos interesses da população. Podem ser bons, ruins ou péssimos.

Poucos lugares do mundo testaram as iniciativas populares com tanta frequência como o estado norte-americano da Califórnia, que abriga, sozinho, o 10o maior PIB do planeta. Ao longo das últimas décadas, a Califórnia criou inúmeras medidas para facilitar o debate e aprovação de projetos de iniciativa popular. Alguns projetos eram mesmo populares. Outros, tinham um caráter elitista e beneficiavam minorias bem organizadas. O saldo foi uma enxurrada de iniciativas particulares, incoerentes e contraditórias – pois cada grupo de eleitores queria, com toda razão, pegar sua fatia nos cofres públicos. 

Na última notícia relevante sobre a Califórnia, as escolas publicas estavam fechando por falta de dinheiro para pagar professores – e os hospitais mandavam doentes para casa porque não podiam servir comida.
 

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