GIZ EXPLICA Como medir multidões – e por que há mais pessoas nos protestos do que se imagina

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Como medir multidões – e por que há mais pessoas nos protestos do que se imagina

POR -  22 JUN, 2013 - 08:30
O protesto que ocorreu na última segunda-feira, dia 17, em São Paulo, mobilizou milhares e milhares de pessoas. Mas quantas? A Polícia Militar, que geralmente faz o cálculo de multidões para saber quanto do efetivo deve mobilizar, não ofereceu números ao Gizmodo Brasil e nos disse para procurar os institutos de pesquisa. A Secretaria de Segurança Pública informou que tinha apenas o número de pessoas presas.
E o único instituto que fez as contas e, naturalmente, cuja estimativa mais repercutiu, foi o Datafolha: eles cravaram o número de manifestantes em 65 mil. Mas para quem foi – incluindo grande parte de nossa equipe – isso parecia pouco. E como a própria Folha admitiu nos dias seguintes, o número realmente subestimou o público total.
Mas quantas pessoas estiveram no protesto? E como é possível contar multidões nesse caso? O Giz explica.

65 mil? Só?

O Datafolha divulgou a estimativa de 65 mil pessoas no protesto de segunda-feira em São Paulo. Mas em que momento? O primeiro registro do número na Folha.com foi feito às 19h39, porém o horário nunca é claramente mencionado nos textos. Segundo o G1, os manifestantes seguiram em passeata às 17h10 a partir do Largo da Batata, deslocando-se pela Avenida Brigadeiro Faria Lima, e se espalharam por diversas vias — Marginal Pinheiros, Rebouças, Brigadeiro, Av. Paulista.
E onde foram contados os manifestantes? No Largo da Batata, na Faria Lima…? Isso também nunca ficou claro em nenhum texto da Folha. Na terça-feira, o Gizmodo Brasil levou estas dúvidas ao diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, mas não obtivemos resposta. Na quarta-feira, procurado mais uma vez, Paulino não se posicionou.
Na Folha, o cuidado em usar o número variava. Às vezes, o jornal sugeria que este era o número total de manifestantes: “Enquanto 65 mil pessoas caminham pelas ruas de São Paulo protestando contra o aumento da tarifa de transporte público…”
Em outros momentos, dizia que este era o número mínimo de pessoas no protesto: “A manifestação que reuniu ao menos 65 mil pessoas em São Paulo pela redução da tarifa de ônibus…”
E, em um terceiro cenário, o jornal sugeria que apenas a concentração tinha 65 mil manifestantes:
Na capital paulista, a Polícia Militar aponta cerca de 30 mil pessoas no protesto que se concentrou no largo da Batata, na região de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. O Datafolha, no entanto, aponta que o número é de ao menos 65 mil pessoas.
O número também foi usado por outros jornais. Do Estadão:
19h44 – O instituto Datafolha calcula uma participação de 65 mil pessoas no protesto pela redução da tarifa de ônibus na cidade. A PM tem uma estimativa o público em 50 mil pessoas.
Reinaldo Azevedo, da Veja, intitula assim um de seus posts: “Veja por que, com 65 mil pessoas, SP mobilizou apenas um terço dos 100 mil do Rio. E não, não errei na conta!”
E o Jornal Nacional, da Rede Globo, noticiou que ”em São Paulo, 65 mil pessoas, segundo o Instituto Datafolha, participam pacificamente de mais um protesto contra o aumento da tarifa do transporte público.”
A mídia internacional também usou o número, como a Reuters:
O epicentro da marcha de segunda-feira mudou de São Paulo, onde cerca de 65 mil pessoas tomaram as ruas no final da tarde, para o Rio. Lá, quando os manifestantes se reuniram ao longo da noite, a multidão cresceu para 100 mil pessoas, segundo a polícia local.
E a BBC: “Na maior cidade brasileira, São Paulo, cerca de 65.000 pessoas tomaram as ruas.”
O número do Datafolha foi constantemente usado na cobertura do protesto, tanto pela própria Folha como por outros veículos nacionais e internacionais. Mas ele não foi exato, e nem passou perto disso. O Datafolha omitiu informações e, por fim, não fez o cálculo ideal. Trata-se de um erro grave, um número que acabou se propagando mas estava incorreto. E vamos explicar o motivo.

Como se mede uma multidão?

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A contagem de multidões é algo difícil e polêmico, já que a quantidade de participantes é uma forma de medir a relevância do evento. Quem organiza o evento tem estímulo para superestimar o número. A polícia, por sua vez, costuma subestimar o número.
O que fazer? Chamar um terceiro, que não esteja diretamente envolvido nem com a polícia, nem com a organização do evento. Por exemplo, um órgão de universidade (como o Coppe/UFRJ) ou um instituto de estatística (como o Datafolha).
Há diversos métodos para se medir uma multidão. O mais conhecido foi criado por um professor universitário de jornalismo, Herbert Jacobs, nos anos 60 – e por isso é conhecido como “método de Jacobs”.
É simples: calcule a área do local, estime o número de pessoas por m², e multiplique os dois números. As pessoas se concentram de forma desigual? Então leve isso em conta. É isso que o Datafolha faz:
Profissionais do instituto percorrem toda a área da manifestação e avaliam o número de pessoas por metro quadrado em cada setor. Posteriormente as informações são reunidas em um mapa do local para a realização do cálculo relacionando as diferentes densidades com a área total.
Há métodos mais sofisticados que usam o mesmo princípio. Na manifestação de segunda-feira no Rio de Janeiro, uma equipe do instituto de pesquisa Coppe/UFRJ usou imagens de televisão, programas de computador e bom senso para estimar quantos manifestantes foram às ruas. O G1 explica:
Em dois monitores alinhados, especialistas da Coppe emparelham imagens diferentes de um mesmo lugar, no caso a Avenida Rio Branco: uma de satélite e outra filmada por um helicóptero. Na primeira, calcula a dimensão da área. Na outra, desenha o que chamam de “manchas” humanas, de acordo com a quantidade de pessoas. Por fim, compara as duas para saber o quanto desta área foi ocupada.
Ou seja, primeiro eles obtêm a área, depois a concentração de pessoas, e – após alguns ajustes – calcula-se o número total de pessoas, que ficou entre 80 mil e 100 mil pessoas no Rio de Janeiro.
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Os métodos podem ser ainda mais sofisticados. Para um evento político nos EUA em 2010, usou-se um balão cativo para tirar fotos de 360° da multidão a altitudes diferentes. Com as fotos, criou-se um mapa 3D, dividido em quadrados, e contou-se o número de pessoas em alguns quadrados – não todos. Dessa forma, você consegue estimar a concentração de pessoas em certas áreas e, supondo que ela é igual em outras áreas, você calcula o número total de participantes.

Havia quantas pessoas no protesto, afinal?

Com o método de Jacobs, também é possível estimar a lotação máxima de um espaço público. Medir a área é relativamente fácil: em locais como a Avenida Paulista ou Faria Lima – onde começou a manifestação de segunda-feira – você multiplica a extensão da via por sua largura.
Isso pode superestimar a área que pessoas ocupariam, já que o número engloba áreas tomadas por bancas de jornal, postes e canteiros. No entanto, como as vias são basicamente retas e sua largura varia muito pouco em diferentes pontos, é uma boa estimativa.
O desafio maior é estimar a concentração de pessoas, mas estudiosos têm números para cada caso. Moacyr Duarte, pesquisador sênior do Coppe/UFRJ, explica ao G1:
Em multidões comprimidas, [eles] contam cinco pessoas por metro quadrado. Quatro, se as pessoas se movimentam. Três, se o grupo está caminhando.
Então fizemos o cálculo para estimar quantos manifestantes se concentraram na Faria Lima durante o protesto de segunda-feira. Segundo Folha e G1, os manifestantes se concentraram entre o Largo da Batata e a avenida Juscelino Kubitschek. E considerando o que nossa equipe viu lá, além do relato de terceiros e o próprio vídeo da Folha - mostrando com um drone a visão aérea da avenida – a Faria Lima realmente estava lotada entre esses dois pontos.
São 2,9 km de avenida entre os dois pontos, como é possível ver no Google Maps. E a avenida tem 40 m de largura. Ou seja, temos uma área estimada de 116.000 m² ocupada por manifestantes.
Multiplicando a área pela concentração de pessoas – entre 3 e 5 pessoas por m² – temos que a lotação máxima da área ocupada pelos manifestantes está entre 348 mil e 580 mil. Isso é muito mais do que a estimativa inicial da Folha, que considerava só a concentração inicial.
Robinson dos Santos, jornalista e formado em matemática na USP (Universidade de São Paulo), corrobora os cálculos, mas lembra a importância de haver pessoas na multidão para medir a concentração de pessoas:
Essa estimativa é aprimorada pela utilização de observadores que avaliam quadrantes do espaço ocupado – e atribuem a cada quadrante um porcentual de ocupação. Sem os observadores, nossa estimativa fica um pouco mais fraca, porém ainda funcional.
Gustavo Venturi, sociólogo que dirigiu o Datafolha entre 1992 e 1996, diz que os cálculos são razoáveis como critério genérico, e destaca que é importante deixar claro, sempre, o momento em que a medida é feita:
A outra variável importante é a questão do momento da medida: em geral só é possível calcular a concentração em cada vez que se toma uma medida, e não calcular quantas pessoas compareceram ao longo de um ato, seja de concentração ou de caminhada, uma vez que normalmente os atos públicos têm várias entradas/saídas.
E esse é um detalhe importante, deixado de lado pelo Datafolha: nossas contas dizem respeito apenas a Avenida Faria Lima, uma das vias tomadas por protestos — enquanto a avenida estava tomada de manifestantes, outra grande quantidade de pessoas estavam em diversas outras vias: Marginal Pinheiros, Ponte Estaiada, Rua Brigadeiro Faria Lima, Avenida Rebouças e Avenida Paulista também tiveram enorme fluxo de manifestantes.

Tentando corrigir o erro

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Na quarta-feira, a Folha publicou texto intitulado “Entenda como o Datafolha calcula multidões”, e já no começo reconhece que a estimativa de 65 mil não valia para o protesto inteiro:
O Datafolha calcula o número de manifestantes do Movimento Passe Livre apenas durante a concentração inicial dos protestos realizados nesta semana… nas duas últimas passeatas foram calculados os públicos apenas antes de iniciadas as passeatas.
Então quantos foram no total? O Datafolha explica que não conseguiu fazer tal medição, porque a passeata não teve trajeto definido, e eles não têm método para esse caso.
No entanto, eles conseguiram dar uma estimativa em outra manifestação em São Paulo, no dia 20/06, durante a comemoração pela redução da tarifa de ônibus, de R$ 3,20 para R$ 3. Na sexta-feira, eis o que a Folha publicou:
Às 20h, 110 mil pessoas estavam na avenida [Paulista], segundo o Datafolha. O cálculo é feito com base no público concentrado na Paulista e não no deslocamento dos manifestantes. Por isso, é possível que o número tenha aumentado ao longo do percurso.
Desta vez, a Folha deixa claro não só como estimou a multidão, mas o horário em que isso foi feito. Durante a manifestação em São Paulo na segunda-feira, eles não tomaram esse cuidado.

Mais cuidado da próxima vez

Nós entendemos a dificuldade de medir uma multidão em um protesto que não tem trajeto predefinido. Em eventos como a Marcha para Jesus ou a Parada Gay, é possível distribuir pesquisadores por setor ao longo do trajeto: eles anotam a concentração de pessoas em cada setor, e fazem isso em intervalos regulares.
Em manifestações, planejar algo do tipo é bem mais complicado: mesmo que haja um trajeto esperado, ele pode mudar – na segunda-feira, parte dos manifestantes foram pela Av. Rebouças, em vez de seguir pela Faria Lima. Sabendo dessas dificuldades, a Folha deveria ter tomado mais cuidado ao cravar um número que correu o mundo — e subestimou uma enorme movimentação popular.
Portanto, os protestos requerem uma técnica mais precisa de medição, o que falta em muitos lugares do país: nem em São Paulo tínhamos um instituto para estimar direito quantas pessoas ocupavam as ruas. Precisamos de mais envolvidos no cálculo de multidões, e de técnicas mais avançadas para tanto. Afinal, esta é uma das formas de deixar na História o peso e relevância das manifestações que tomaram o Brasil.
Giovanni Santa Rosa e Leo Martins colaboraram com a reportagem. Foto por Beraldo Leal/Flickr.
ATUALIZAÇÃO (23 de junho, 12h37): Suzana Singer, ombudsman da Folha, escreveu sobre os 65 mil de segunda-feira em sua coluna dominical, com o subtítulo “Eram mais de 65 mil”:
O cálculo de que havia 65 mil pessoas no protesto de segunda-feira em São Paulo provocou uma grita nas redes sociais. Quem esteve lá garante que passavam de 100 mil manifestantes.
O Datafolha, que fez a contagem, explica que essa estimativa era apenas do público que estava concentrado no largo da Batata antes de começar a passeata.
O instituto não conseguiu medir a manifestação em movimento, porque o percurso não foi definido com antecedência, como aconteceu com a Parada Gay ou a Marcha para Jesus. Não entra na conta dos 65 mil quem aderiu à marcha enquanto ela passava por diferentes pontos da cidade. Faltou à edição deixar isso claro.
Em meio a tantas incertezas, o Datafolha tem jogado luz sobre quem são esses manifestantes.
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Comentários (67)

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A opinião do Reinaldo Azevedo não conta. Simples assim.
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11 respostas · ativo 5 dias atrás
E no RJ. Quanto tinha na quinta? 
Responder
2 respostas · ativo 6 dias atrás
Dia 17 todas as principais vias de SP estavam cheia de manifestantes, 65mil foi uma tentativa de desmoralizar o movimento. Mas a Folha esquece que temos videos e internet.
Responder
1 resposta · ativo 1 semana atrás
Na minha contagem a imagem abaixo tem aproximadamente 326 pessoas!!! 



Obs.: Foi um pouco complicado a contagem por que a resolução é pequena.
Responder
10 respostas · ativo 5 dias atrás
Então aquele "cálculo" de que têm 1 milhão de participantes na parada gay todo o ano também é mentira. 

Já que a manifestação aparentemente tinha mais gente que a parada gay.
Responder
6 respostas · ativo 5 dias atrás
Com o google maps para calcular a área ocupada pelo povo e umas fotos do evento já dá para para tirar por baixo qual o número de manifestantes. Duas coisas é importante, é pegar fotos do mesmo horário,para não pegar uma área maior ou menor devido ao deslocamento do povo. Estimando o número de pessoas em um metro quadrado, usando como referencia pessoas ao lado de carros, de faixas de transito, já dá para estimar o número de pessoas por m², pegando a área das ruas ocupadas, considerando apenas onde há uma população densa, já dá para estimar por alto o número de manifestantes. 

Comparando as fotos do número de manifestantes com o número de pessoas na rua em dia de carnaval, dá a sensação que não foram números tão diferentes assim não, ou os números do carnaval são muito inflados, ou os do protestos foram muito modestos. Ou ambas as hipóteses são verdadeiras... 
Responder
4 respostas · ativo 6 dias atrás

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